Saúde, emprego, violência e educação. Os quatro temas que mais preocupam os jovens hoje em dia refletem, em termos gerais, questões ainda a serem respondidas pelo Ensino Médio. O desafio está posto: como desenvolver uma educação integral levando em conta os problemas enfrentados pela juventude, tanto no ensino como na própria sociedade, e suas especificidades?
Escrito por João Marinho
Escrito por João Marinho
Mídia e especialistas apontam o Ensino Médio como a etapa que atualmente enfrenta mais problemas dentro da educação básica. De um lado, o número de matrículas no Brasil mais que dobrou no espaço de 20 anos, passando de 3,8 milhões para 8,4 milhões entre 1991 e 2011. Por outro lado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) demonstrou que, em 2011, 62,2% dos jovens de 18 a 24 anos encontravam-se fora da escola.
A questão da identidade do Ensino Médio tem sido debatida exaustivamente por educadores e produtores de conhecimento. Segundo a doutora em Educação Marise Ramos no trabalho Concepção do Ensino Médio integrado, a razão de ser do Ensino Médio esteve historicamente atrelada ao mercado de trabalho. No artigo Situações de estudo no Ensino Médio: nova compreensão de educação básica, Otávio Aloísio Maldaner assinala que a compreensão variou enormemente nos últimos 30 a 40 anos: ensino profissionalizante, preparação para o trabalho ou trampolim para o vestibular.
Polêmica: desafios e reformas
do Ensino Médio Entre os jovens que se encontram matriculados, o problema está na qualidade do aprendizado: enquanto o Censo Escolar de 2011 apontou um aumento na taxa de reprovação do Ensino Médio – 13,1%, o maior desde 1999 –, os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2011 apontam para a necessidade de repensar estratégias para essa etapa da educação básica: o Ensino Médio obteve média de 3,7 em uma escala de 0 a 10.
No entanto, um manifesto assinado por especialistas da área afirma que dizer que há uma crise no Ensino Médio, citação popular na mídia, “ajuda a construir uma imagem de inutilidade dessa etapa de ensino, que em nada contribui para um debate construtivo”.
O manifesto é uma reação contra o PL 6840/2013, em discussão no Congresso Nacional, que, segundo seus autores, confunde os conceitos de educação integral e educação em tempo integral e traz propostas que, no limite, fragmentarão ainda mais essa etapa do ensino, como a proibição da oferta de ensino noturno para os menores de 18 anos, na prática, excluindo todo um contingente de adolescentes que estudam e trabalham.
Leia aqui o PL 6840/2013.Leia aqui o manifesto e a petição pública. |
Atualmente, aliada ao vestibular, aparece uma crescente preocupação das escolas com o Enem, que, via Sisu, tem se constituído porta de entrada para instituições públicas de ensino superior e consecução de bolsas, por meio do Prouni. Há casos em que isso tem levado a uma verdadeira distorção: o conteúdo é espremido nos dois primeiros anos do ciclo, e o terceiro se torna uma etapa de revisão para o Exame. A tendência foi apontada em um levantamento feito pelo Laboratório de Estudos Interdisciplinares (LEI), que a identificou em 80 escolas localizadas em 11 estados e no Distrito Federal. Entre as escolas estaduais e federais, o percentual de escolas que fazem essa opção é de 12% e 78%, respectivamente. Entre as particulares, chega a 92%.
Essas concepções contrastam com uma visão ampla e dual trazida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A LDB dispõe, em seu artigo 1º, que a educação escolar deve vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social, mas, no artigo 35, define o Ensino Médio como preparação básica para o trabalho, sem abandonar o aperfeiçoamento do educando como pessoa humana e seu direito à cidadania.
Mais do que apenas focar o mercado de trabalho, portanto, o Ensino Médio tem também o objetivo de prover subsídios para tornar o jovem participante ativo da sociedade, como agente de transformações e desenvolvimento social, refletindo criticamente sobre o mundo que o cerca. Nessa perspectiva é que o Ensino Médio encontra a proposta de umaeducação integral.
Educação integral: construção de conceitos
Falar sobre educação integral no Ensino Médio é perguntar-se, primeiro, a qual concepção de educação integral nos referimos. O próprio Ministério da Educação (MEC) mostra que diferentes concepções sobre o termo tiveram lugar na primeira metade do século XX, opondo desde propostas políticas conservadoras, como as do Movimento Integralista, baseadas nos conceitos de nacionalismo cívico, disciplina e espiritualidade, até propostas anarquistas, que privilegiavam a autonomia, a igualdade e a liberdade humanas.
Tradicionalmente, os entendimentos mais modernos do conceito estabelecem como marco o movimento da Escola Nova, do educador Anísio Teixeira, que propunha uma educação em que a escola “desse às crianças um programa completo de leitura, aritmética e escrita, ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física, saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vivia”, conforme artigo sobre o Centro Educacional Carneiro Ribeiro naRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos (jan.-mar. 1959).
A experiência do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, implementada por Teixeira, propunha atividades historicamente entendidas como escolares nas escolas-classe e uma série de atividades no contraturno escolar, nas escolas-parque. Na década de 1960, a inspiração, mais evoluída, foi levada a Brasília, enquanto a década de 1980 assistiu à implantação dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), concebidos por Darcy Ribeiro sob o governo de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, sendo Ribeiro defensor das ideias de Anísio Teixeira.
Em São Paulo, merecem menção o Programa de Formação Integral da Criança (Profic), que buscava complementar a formação de crianças além dos limites da escola, e, na capital, no início do século XXI, os Centros Educacionais Unificados (CEUs), que tinham a proposta de articular creche, Educação Infantil e Ensino Fundamental e, ao mesmo tempo, constituirem-se espaços de integração comunitária e atividades educacionais, recreativas e culturais além do currículo básico.
Para Paulo Fernando de Vasconcelos Dutra, em sua dissertação de mestradoEducação integral no Estado de Pernambuco: uma realidade no Ensino Médio, isso equivale a dizer que, no Brasil, predominou a visão de educação integral “em que à escola cabia a preocupação com o indivíduo na sua integralidade, com relação às áreas de alimentação, saúde, cultura e lazer, além dos conhecimentos específicos de cada disciplina”.
Nacionalmente, o Ensino Médio se tornou alvo de políticas de educação integral a partir da Portaria nº 971, de outubro/2009, com o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), que orientou a implantação progressiva de um Ensino Médio com carga horária de 3 mil horas, ao longo de três anos. Com a proposta de adesão voluntária dos estados, o ProEMI hoje se encontra presente em todas as 27 unidades da federação e possui 5,6 mil escolas.
No Estado de São Paulo, o Programa Ensino Integral também defende a ampliação do período na escola. O Programa foi iniciado em 2012, com a participação de 16 escolas de Ensino Médio, e expandiu-se, no ano seguinte, para escolas de Ensino Fundamental. Hoje, são 182 escolas, nas quais estão matriculados 55 mil alunos.
De fato, a visão moderna de educação integral, à qual cabe a preocupação do indivíduo em sua integralidade, passa pela proposta de educação em tempointegral, o que significa a instituição de uma jornada ampliada na escola, diante do diagnóstico de que não é possível disponibilizar essa concepção ampla ao educando em apenas quatro horas diárias, com oferta de atividades extracurriculares ou de disciplinas eletivas.
É preciso, porém, não confundir os dois conceitos. “Na educação integral, não basta aumentar o tempo do aluno na escola de quatro para sete horas por dia, algo que acontece de forma corriqueira hoje. Ter mais tempo exige ter mais planejamento pedagógico para aproveitar de forma mais transversal esse tempo”, explica a pesquisadora Ana Emilia Castro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para o portal Porvir.
O ProEMI solicita às escolas participantes a reestruturação do currículo sob uma perspectiva inovadora, com base em oito macrocampos, sendo três obrigatórios e pelo menos mais dois à escolha da instituição: os obrigatórios Acompanhamento Pedagógico (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza); Iniciação Científica e Pesquisa; Leitura e Letramento; e os opcionais Línguas Estrangeiras; Cultura Corporal; Produção e Fruição das Artes; Comunicação, Cultura Digital e Uso de Mídias; e Participação Estudantil.
O professor e educador Sergio Lima Sampaio, mestre em Estudos de Teatro, é um dos que defendem a utilização de diferentes linguagens na formação do jovem do Ensino Médio: “num grupo, em determinado momento, o teatro pode ser utilizado para falar da história, da luz, do espaço, do corpo, da literatura, do idioma, enquanto outro grupo está imerso no desenho industrial, experimentando formas, novas maneiras e usos do conhecimento. O conhecimento não tem apenas valor informativo, mas de transformação. Aprender matemática [por exemplo] através da dança, através do corpo é algo que num primeiro momento pode parecer inusitado, contudo, é um aprendizado que nunca nos faltará”.
O Programa Ensino Integral de São Paulo, por sua vez, propõe a instituição de um Projeto de Vida, que deve orientar a abordagem educacional além das aulas que constam do currículo escolar, provendo os alunos das ferramentas para realizá-lo. O Programa dá ainda importância ao protagonismo juvenil e à inserção do jovem como sujeito de diálogo na gestão escolar.
As diferentes concepções sobre educação integral e, especialmente, educação integral no Ensino Médio justificam-se, para Anna Helena Altenfelder, superintendente do Cenpec, pela própria diversidade do Brasil como país: “As diferentes modalidades na implementação das políticas públicas de educação integral justificam-se pela diversidade de contextos existentes no Brasil. Variáveis como tamanho da rede de ensino, presença de organizações que realizam ações educativas, existência de conselhos com forte atuação na garantia de direitos, experiência de atuação em rede são decisivas na definição do modelo de educação integral por municípios e estados”.
Leia mais sobre o conceito de educação integral em entrevista com o pedagogo e psicólogo Lino de Macedo.
O exemplo de Pernambuco
A experiência pernambucana de introdução da educação integral ao Ensino Médio é tida como inspiração por outros estados da federação, inclusive São Paulo.
O programa de Educação Integral de Pernambuco baseia-se na filosofia de educação interdimensional de Antônio Carlos Gomes da Costa, que defende a construção do ser humano nas dimensões cognitiva, afetiva, espiritual e da corporeidade, além de um plano de ação inspirado pelo trabalho da professora Ivaneide Lima.
A experiência pernambucana remete a 2004, com a criação do Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano (CEEGP), que se constituiu a primeira parceria público-privada na área educacional do estado.
Do programa de Educação Integral, fazem parte as Escolas de Referência em Ensino Médio (Erems). Em 2010, 160 dessas escolas, abrangendo 50% da demanda de estudantes, foram criadas, todas com oferta de jornada em tempo integral pensadas de acordo com as demandas do município, podendo ter até 18 salas de aula, refeitório, quadra e laboratórios de Física, Química, Biologia, Informática e Línguas.
Fontes: Paulo Fernando de Vasconcelos Dutra: Educação integral no Estado de Pernambuco: uma realidade no Ensino Médio; Lei Complementar 125, de 10 de julho 2008.
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Além dos muros: a experiência do Jovens Urbanos
A ideia de educação integral, no entanto, pode ser ampliada para além do espaço escolar. É a concepção defendida pela própria Anna Helena: “Do ponto de vista conceitual, o Cenpec entende que a ampliação dos tempos e também dos espaços e das oportunidades de aprendizagem favorecem o desenvolvimento integral por interagir com as dimensões física, intelectual, emocional e ética. Quando consideramos o contexto juvenil, a circulação por espaços de aprendizagem diversificados, o contato com diferentes tecnologias, a interlocução com outros sujeitos, a apropriação da cidade e da comunidade em que se vive são condições importantes para a consolidação de experiências positivas com o conhecimento e a construção de projetos de vida”.
Sergio Lima Sampaio concorda, pontuando que a oferta de atividades extracurriculares, eletivas e complementares à formação do jovem, apenas no interior da escola pode ter como efeito adverso o distanciamento da família: “A ampliação da jornada cria uma tutela mais importante do aluno pelo Estado, implicando numa supervisão mais objetiva do desenvolvimento do conteúdo pelos educadores [, mas], por isso mesmo acaba isentando a família-origem do alunado da participação/estímulo no desenvolvimento escolar e parte de sua responsabilidade na educação”.
O Programa Jovens Urbanos encontra-se entre as iniciativas que abordam a educação integral para o jovem que cursa o Ensino Fundamental ou o Médio com base nas concepções de abordagens extracurriculares e complementares, inserção na comunidade – aí, visando também ao mercado de trabalho – e protagonismo juvenil.
“A metodologia e as concepções de aprendizagem do Programa buscam promover o desenvolvimento integral de jovens [...]. Dessa forma, entende a importância de garantir que os jovens concluam a educação formal, mas que a cidade e a cultura que nela circula têm também um papel fundamental na formação desses jovens para a vida pessoal, para o mundo do trabalho etc. Entre as estratégias metodológicas, destacam-se o incentivo à circulação dos jovens pela cidade e o reconhecimento das potencialidades que estão colocadas nos bairros em que residem”, explica Wagner Santos, coordenador do Programa.
Em 2013, o Programa realizou uma ação na Escola Estadual Professor João Silva, no Capão Redondo, na zona sul da capital paulista. Foi a primeira vez que a execução do Programa se deu inteiramente no espaço escolar, e colheu frutos com oficinas e projetos que incluíam temas como fotografia, gravidez na adolescência e resultou até na revitalização do laboratório de ciências na unidade.
Fonte: http://www.educacaoeparticipacao.org.br/
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